
Há 18 anos, o bloco afro Ilú Obá de Min abre o Carnaval de rua de São Paulo. “Todo ano, escolhemos um conceito da cultura afro ou uma mulher negra para homenagear”, afirma Daiane Pettine, coordenadora do bloco, em entrevista a Voz da Diversidade.
Neste ano, a “femenageada” será a filósofa e ativista Sueli Carneiro. Um dos mais importantes nomes do movimento negro no país, Sueli fundou, em 1988, o Geledés – Instituto da Mulher Negra, primeira organização feminista independente de São Paulo. “Sueli foi uma das únicas alunas negras de Filosofia na USP. Ela vem ao longo da carreira sendo uma representatividade do que uma mulher negra precisa para acessar os seus direitos com bravura e coragem”, destaca Daiane.
Na entrevista concedida a Voz da Diversidade, Daiane conta sobre o projeto do Carnaval 2023 do Ilú Obá de Min e a importância do bloco para o movimento negro.
O Bloco Ilú Obá de Min vai “femenagear” esse ano a filósofa e ativista Sueli Carneiro. Qual a importância dessa homenagem?
O Ilú é uma instituição de arte e cultura negra que tem um ecossistema de produção. Nós abrimos o Carnaval de rua da cidade há 18 anos. Todo ano, escolhemos um conceito da cultura afro ou de uma mulher negra. Elza Soares e Raquel Trindade já foram homenageadas e esse ano escolhemos a Sueli Carneiro.

Depois de três anos longe das ruas de São Paulo, o Ilú Obá de Min retorna ao Carnaval de 2023 com o tema “Akíkanjú: Pensamento e Bravura de Sueli Carneiro”.
Akíkanjú é uma palavra do yorubá, que significa bravura e coragem. A leitura da obra é de uma filosofia e de uma proposta de mundo que serve ao coletivo. São movimentos negros que dialogam e crescem. Preparamos uma homenagem em quatro atos. Vamos dialogar com a obra de Sueli, sempre agregando as obras dos Orixás.
Sueli foi uma das únicas alunas de Filosofia da USP. Ela vem ao longo da carreira mostrando bravura e coragem acerca do movimento negro. É uma representatividade do que a mulher negra precisa para acessar os seus direitos. E sempre a serviço do coletivo, nunca pensando no individual.
O bloco Ilú não é apenas um bloco de Carnaval. Tem fundamentos muito mais profundos que vão da religião ao ativismo. Quais são esses fundamentos?
O Ilú é uma instituição de arte, educação e cultura negra. Entendemos que os nossos dois objetivos são: valorização da cultura negra e valorização das mulheres negras. Não queremos só fazer Carnaval. Temos uma agenda muito explícita de acesso a rua, acesso a instrumentos musicais. Promovemos arte de qualidade gratuita para a população. Trazemos referências de ancestralidade para que toda a população brasileira se sinta parte. Fazemos há muito tempo oficinas gratuitas que acontecem nas ruas da cidade.
O bloco é composto por quantas pessoas? E são apenas mulheres?
Homens também fazem parte, mas participam apenas do corpo do pernalta, ou seja, podem dançar. Não é uma organização exclusiva para mulheres, mas de protagonismo delas. Ilú Obá de Min significa mulheres que tocam tambor para o rei Xangô, por isso apenas nós mulheres tocamos os instrumentos. Hoje, o Ilú é composto por 95% de mulheres negras. É uma ópera popular com 400 mulheres na bateria, espetáculo de dança e pernaltas.

Como outras mulheres podem participar do projeto?
O Ilú tem vários projetos ao longo do ano. Em julho abrimos as inscrições. Primeiro para mulheres negras, pelo protagonismo que elas precisam ter e depois para as outras pessoas interessadas. O processo começa em setembro. Ficamos seis meses ensaiando para o Carnaval. Não cobramos nada das participantes e elas não precisam ter nenhum tipo de experiência musical ou artística.
Quais problemas já foram enfrentados pelo bloco?
Um dos nossos desafios é a intolerância religiosa. A cultura afro inclui os Orixás, então o nosso objetivo é levar conhecimento para que as pessoas saiam da ignorância. É um desafio que encaramos de maneira positiva. Disseminamos conhecimento sobre Candomblé, Orixás e a cultura africana.
O segundo desafio é que estamos buscando a nossa sede definitiva oficial. Pagamos aluguel de uma casa, mas estamos pleiteando ao poder público a luta por um espaço legítimo.
Qual mensagem você quer transmitir a quem vai ler a sua entrevista?
Queremos reforçar o nosso convite para as pessoas virem para o nosso cortejo. O Ilu está fora das ruas há três anos e queremos muito que as pessoas venham para entender essa relação com os tambores. Elas precisam se maravilhar e conhecer a cultura africana.
Programação do bloco Ilú Obá De Min: Akíkanjú: Pensamento e Bravura de Sueli Carneiro
Sexta-feira (17/02)
Abertura oficial do carnaval de rua de São Paulo, com concentração às 18h, na Praça da República. Saída às 19h em direção ao Largo do Paissandú.
Domingo (19/02)
Concentração às 13h, na Rua Conselheiro Brotero 195 (Sta Cecília), e saída às 14h. O cortejo segue em direção ao Armazém do Campo, na Alameda Eduardo Prado, 499.
Sobre o Ilú
Fundado há 18 anos por Beth Beli, Girlei Miranda e Adriana Aragão, o bloco reúne cerca de 400 integrantes e sua bateria é composta somente por mulheres. O nome Ilú Obá De Min – criação de Beth – significa “mãos femininas que tocam o tambor para o rei Xangô”, que é o Orixá da justiça. Um dos princípios do Ilú é a valorização do feminino e da resistência da mulher negra, o que se manifesta no grande destaque dado a Iansã como guardiã do bloco.
Embora não seja religioso, o Ilú traz para o Carnaval de rua múltiplas referências das religiões de matriz africana e apresenta cantigas e danças para os orixás, além de composições temáticas elaboradas coletivamente pelo grupo. Suas influências são os tambores do candomblé e todos os arranjos são tirados de sons como maracatu, coco, samba e baião, como forma de reverenciar a ancestralidade e a oralidade africana presentes na cultura brasileira.