A jovem Camila termina um namoro de longa duração por não se sentir confortável em manter relações sexuais. Foram anos vivendo em função de outra pessoa e se desdobrando para ser a “parceira perfeita”, sob a justificativa de um amor verdadeiro. Em uma jornada de autoconhecimento ela descobriu que é assexual – a letra A da comunidade LGBTQIAP+.
Camila é protagonista do livro Um mundo de cores, da autora Virginia P. Pagliarin, que retrata a assexualidade, uma orientação que engloba pessoas que não sentem atração sexual ou que podem ter atração, mas em situações específicas.
Após o término do relacionamento, a protagonista inicia uma jornada de autoconhecimento. Camila enfrentará a incompreensão de amigos de longa data, mas também fará novas amizades com pessoas que a aceitam como ela é. Sua virada vem com o acesso a um aplicativo de encontros, com o intuito de fazer pontes entre pessoas assexuais, onde Camila inicia um novo e “diferente” relacionamento.
A arte imita a vida
Para escrever a obra Um Mundo de cores, a autora Virginia se inspirou em sua própria realidade. Ela também se identifica como assexual. “Descobri meses antes de escrever o livro. Após conhecer mais e entender mais sobre mim mesma, fui atrás de outras obras sobre o assunto, mas achei poucos livros abordando a assexualidade. Isso me incomodou muito, pois pensei em como pessoas como eu ficam no escuro”, afirmou a autora em entrevista a Voz da Diversidade.
Com a obra, Virginia deseja ser uma referência positiva e deixar claro que cada pessoa é muito mais do que a própria sexualidade.
A estimativa é de que existam entre 1% e 2% de assexuais no mundo segundo um estudo do psicólogo e especialista em sexualidade Anthony Bogaert, da Universidade Brock, no Canadá, divulgado em agosto de 2004 pelo Journal of Sex Research. O biólogo Alfred Kinsey já havia apontado a mesma estatística em estudos feitos entre 1948 e 1953.
Mas em 2022 ainda é difícil fazer essa análise, pois muitos estudos não consideram a existência de assexuais nas estatísticas, é o que mostra o site da Brunel University London.
Alguns assexuais também enfrentam preconceito por se considerarem arromânticos – aqueles que sentem interesse romântico por outras pessoas. “Para mim sempre pareceu senão um incômodo algo meramente sem sentido. Eu consigo me suportar sozinho muito bem, o que porventura precise, posso conversar com pessoas na internet ou convidar um amigo para conversar ou jogar um jogo online. Não sinto essa necessidade especial de intimidade e toques pessoais que os outros tanto sentem e que sempre me pareceu estranha, desnecessária e gerando gastos de tempo e dinheiro irracionais”, afirmou Wagner em entrevista a Voz da Diversidade em 2015.
É importante frisar, como afirma Virginia em nossa entrevista, que ser assexual não é uma doença e nem um problema. Confira o nosso papo com a autora nas linhas a seguir.
Voz Da Diversidade – Quando começou a escrever o livro, você já tinha descoberto que era assexual? Como foi essa descoberta?
Sim, descobri meses antes de escrever o livro. Após conhecer mais e entender mais sobre mim mesma, fui atrás de outras obras sobre o assunto, mas achei poucos livros abordando a assexualidade. Isso me incomodou muito, pois pensei em como pessoas como eu ficam no escuro.
Essa descoberta demorou para acontecer. Eu sabia como me sentia com relação ao ato sexual, mas não sabia que existia um nome para isso e muito menos que tinha conhecimento à disposição sobre o assunto. Saber que existem muitas outras pessoas como eu foi reconfortante.
O que é importante mostrar sobre os assexuais neste livro?
Quero mostrar que ser assexual não é uma doença e nem um problema. Que uma pessoa assexual como eu pode, sim, estar em um relacionamento e até mesmo ter uma família. Muitas pessoas cometem o erro de pensar que pessoas assexuais não querem romance, mas isso não é verdade. Ser arromântico e assexual são coisas diferentes.
É claro que algumas pessoas podem ser ambas as coisas, mas, no meu caso, isso não se aplica. Eu amo romance e ainda sonho em encontrar um parceiro que me entenda e me aceite como sou.
Você já se relacionou emocionalmente com algum outro assexual? Pode contar sobre a relação ou relações, por favor?
Infelizmente ainda não tive a oportunidade de me relacionar com uma pessoa como eu. Espero ter a chance de estar em um relacionamento com uma pessoa assexual um dia, pois acredito que será muito mais fácil e agradável. Se acontecer, vou estar com alguém que vai entender melhor os meus sentimentos e minhas ações.
Quais preconceitos os assexuais costumam sofrer?
Algumas letras da sigla LGBTQIA+ ainda são desconhecidas perante os olhares das pessoas. Para muitas pessoas, a assexualidade ainda é vista como tabu ou doença, e isso traz dificuldades. Como o assunto ainda é desconhecido por muitos e não é tão abordado pela mídia, sinto que o preconceito ainda é muito forte.
Atualmente, a mídia aborda muito os atos sexuais e, em alguns casos, com interesses comerciais por trás. Pessoas falam abertamente sobre a necessidade de sexo e o desejo sobre uma ou outra pessoa, sobre a busca pelo corpo ideal e a grande necessidade de ter atração por outra pessoa. Contudo, pessoas como eu enxergam o mundo de outra forma.
Aos olhos das pessoas, não ter interesse sexual é algo estranho e muitas vezes nós somos julgados por isso. No passado, eu já escutei coisas desagradáveis a respeito disso. Como se eu tivesse a obrigação de gostar de sexo com qualquer um ou ser algo que eu não sou. Espero que, com o tempo, as pessoas entendam que não é errado ser assexual e que nossos livros e fontes de informação sejam liberadas para o público geral. Assim, as pessoas podem entender sobre o assunto e ter mais empatia.
Você já teve relacionamentos com pessoas que não eram assexuais? Como você se sentia e quais eram os principais problemas enfrentados?
Sim, já tive. O sexo sempre foi uma questão polêmica nos meus relacionamentos. Eu não fazia questão que o ato fosse uma “rotina” do relacionamento e essa forma de sentir me trouxe problemas. Em nenhum momento fui forçada a algo, mas me existia uma obrigação silenciosa social, apenas para agradar meu companheiro. Era uma pressão que eu colocava em mim mesma e o fato de minhas amigas próximas terem vidas sexuais ativas com seus namorados não ajudava a minha autoestima. Parecia que eu era sempre a vilã, “punindo” meus namorados por não querer sexo sempre.
Naquela época, não entendia o porquê de eu não gostar e também não tinha o entendimento sobre mim mesma. Isso acabou atrapalhando meus relacionamentos e me fez muito mal psicologicamente. Quando entendi que sou assexual e que não sou nenhuma esquisita por ser diferente, me senti finalmente em paz comigo mesma.
O quanto da Camila tem de você mesma? O que a Camila pode ensinar para as pessoas?
O livro “Um mundo de cores” é especial para mim, pois ele, aborda muito sobre mim mesma, de certo modo. A Camila foi criada misturando a fantasia e algumas características pessoais minhas. Ela ser assexual e escritora, por exemplo. Ou a sua forte ligação familiar e o desejo de encontrar alguém que a entenda e ame sendo ela mesma. O processo de autodescoberta de Camila também tem similaridades com o meu.
Fique à vontade para acrescentar pontos importantes do livro ou sobre os assexuais que julga importante contar para as pessoas, por favor.
Quero ressaltar que ser assexual não é errado. Muitas pessoas têm medo de dizer isso e se assumir publicamente, preocupadas com o que os demais vão pensar. Eu entendo isso, pois também já passei essa fase. O medo de ser julgado pelos amigos e família existe e é algo muito forte. Contudo, espero que, com o meu livro, as pessoas vejam que existem outras pessoas como elas no mundo e que é possível, sim, encontrar a felicidade sendo você mesmo.
Existem muitas formas de amor e você pode, sim, encontrar o amor à sua maneira. Do mesmo modo que a sigla LGBTQIA+ também não se resume a uma ou duas letras. Há muito mais do que as pessoas conhecem e entendem hoje.
Eu espero que, com o tempo, as pessoas não tenham tanto medo de algo apenas por não conhecerem sobre o assunto e desejo do fundo do meu coração que, antes de julgarem algo ou alguém, busquem informação a respeito. Só assim acredito que teremos um amadurecimento social coletivo e respeito mútuo inclusive dentro da comunidade LGBTQIA+.
Amei a matéria Amanda!
Todas as formas de amar precisam ser mostradas com respeito e carinho, como você fez, Parabéns!!!
Este portal representa realmente a diversidade das formas de amar!!
Sucessos e felicidades pra você e toda a sua equipe sempre!
Oi, Ana, tudo bem? Fico muito feliz que tenha gostado! 🙂
Queremos mesmo sempre mostrar todas as formas de amar com muito carinho e respeito. Todas as pessoas devem se sentir acolhidas sempre!
Um grande abraço!
Tudo ótimo, Amanda!
Desejo que você e todos da equipe estejam bem!
Um abraço pra ti!
Eu prefiro mais a tese de uma das minhas tias, que dizia ter casado com a profissão. E via de regra, as pessoas acabam fazendo essa “escolha”! Tive colegas que tiveram essa “dinâmica”: casaram, fase de lua de mel e prole, depois os casais como que se acomodam e o status vira como mero dormir juntos!