Sara* foi a minha primeira namorada. Antes dela, me envolvi com outras mulheres, mas foi por pouco tempo. Com ela, tudo aconteceu muito rápido. Em poucos meses, decidimos morar juntas. Tínhamos nossas brigas, mas conseguíamos conviver bem. Ela era bem diferente de mim e ao longo dos anos essa diferença foi ficando mais evidente.
Não sei muito bem dizer quando a chave virou, mas comecei a sentir um vazio inexplicável. Nada conseguia parecer preenchê-lo e comecei a buscar respostas de diversas formas. Li vários livros, conversei com muita gente e então acabei identificando que precisava ter mais experiências com mulheres.
Mas eu não queria trair a minha namorada. Então, como isso iria acontecer? Um dia decidi conversar com ela e propor um relacionamento aberto. A conversa foi relativamente rápida. Ela aceitou. Então ambas instalaram o Tinder nos celulares. Esse início foi muito estranho e desconfortável, porque a relação e as conversas mudaram totalmente de uma hora para outra. Nós começamos até a conversar sobre o estilo de mulheres que preferíamos e ela, inclusive, disse que também enxergava a possibilidade de sair com homens. Passaram-se poucos dias e ela combinou um encontro e me contou que iria sair com a pessoa no dia seguinte. Respondi naturalmente, apesar de achar inicialmente que nada daquilo parecia fazer sentido. Era realmente uma sensação muito estranha.
No dia do encontro, ela caprichou muito no visual e não economizou no perfume. Ficou pronta, olhou pra mim e disse que não sabia se iria voltar no mesmo dia ou no dia seguinte. A sensação de estranheza aumentou. Ela saiu, abri o Tinder e comecei a olhar as variadas fotos e deslizar algumas para direita, outras para a esquerda. Parei em um casal. A mulher era bonita, o homem também. Mas um casal? Pensei que seria muita coisa e eu poderia não gostar dessa interação. Olhei novamente as fotos do casal e por fim decidi testar. Eu ainda tinha tempo para pensar até saber se eles iriam gostar da minha foto. Pouco tempo passou e o barulhinho do “match” do Tinder surgiu. O casal também tinha gostado da minha foto. Gelei. Decidi não mandar nenhuma mensagem e continuei a busca. Logo, uma mensagem apareceu. Era o Leo, tentando ser extremamente simpático e conversando naturalmente. Ele contou que Paloma*, a menina ao lado dele na foto, não era uma namorada e sim uma amiga. “Nós fizemos isso uma vez e queremos fazer novamente. O combinado é que eu escolho primeiro e depois ela aprova”. Depois de conversar mais um pouco, respondi que iria pensar, mas falei que ele poderia perguntar a Paloma se ela também se interessava. Adormeci.
Sara voltou no dia seguinte. De uma maneira que me pareceu muito estranha – porque tudo continuava estranho -, ela começou a contar como tinha sido encontro. “Não, espera, não quero saber detalhes”. Então ela parou a descrição. Um silêncio surgiu e não sei ao certo quanto tempo durou. Não aguentei e por fim falei: “Vai, conta, mas sem tantos detalhes”. Ela tinha saído com um homem e contou como ele a elogiou. Ela quis enfatizar o quanto o cara tinha se atraído por ela: “Ele disse que eu era muito melhor do que na foto”.
Ao mesmo tempo que toda aquela conversa parecia surreal, não consegui sentir o ciúmes que eu imaginei. E acho que isso já era um indício de que algo não estava bem. Após ouvir o restante da história, contei a ela sobre o casal e todas as minhas dúvidas a respeito de um possível encontro. Ela não se opôs e disse que se eu tinha curiosidade, poderia tentar. À tarde, recebi uma mensagem do Leo. “Oi, Flávia*, tudo bem? A Paloma adorou as suas fotos e também quer te conhecer. Vamos nos encontrar?”. Respondi que ainda não tinha certeza e que precisava pensar mais um pouco.
Passei o restante da tarde refletindo e ao mesmo tempo com muito medo. Pensei, pensei, pensei e decidi que não iria. “Leo, desculpa, eu não vou”. A reação dele foi muito calma e natural. Parecia que ele já sabia como conduzir esse tipo de negativa. Começou a conversar sobre vários outros assuntos e aos poucos foi me deixando mais à vontade. Ele aproveitou para criar um grupo no WhatsApp e incluir a Paloma. Claro que eles conseguiram me convencer. Paloma se mostrou muito animada e divertida e ambos fizeram um bom trabalho para me fazer mudar de ideia. Contei para a Sara que decidi ir ao encontro com o casal e falei que pretendia voltar no mesmo dia. Ela não pareceu se importar.
Encontrei Leo e Paloma em um lugar público e conversamos por algum tempo. Decidimos ir para a casa do Leo. Conversamos, bebemos e rimos muito. O primeiro beijo aconteceu com Paloma. E depois tudo aconteceu. E no final da noite, eu tive certeza de que só tinha saído com o casal para encontrar com a Paloma e definitivamente o Leo não precisaria estar junto. Acabei voltando de madrugada para casa. Contei rapidamente para Sara como tinha sido o encontro. Ela ouviu atentamente, fez algumas perguntas e mudamos de assunto. Perguntei a ela se pretendia sair com mais pessoas naquela semana e ela disse que sim. No final, ela pareceu mais animada com o relacionamento aberto do que imaginei. Dois dias depois, Leo mandou mensagem querendo sair novamente, mas sem a Paloma. Não topei.
Depois disso, saí com outras mulheres, pois o meu intuito desde o começo foi ter mais experiência com mulheres. Ela também saiu com outras pessoas, mas só com homens. O acordo do relacionamento aberto durou pouco tempo, apenas uns 2 meses. O que parecia natural, se tornou uma sequência de desentendimentos. Percebemos que não estávamos preparadas para viver um relacionamento aberto. E o pior: eu percebi que eu queria terminar e não ter um relacionamento aberto.
Eu não quis terminar com a Sara por conta de outra mulher que conheci. Não me interessei por nenhuma delas. Foram ótimas experiências, mas sem envolvimento emocional. Eu simplesmente percebi que não a amava mais, mas eu não conseguia me desvencilhar, porque também tinha muito carinho por ela. Não queria perder contato, porque eu também a considerava uma amiga, uma pessoa que me ajudou muito em vários aspectos. No final, acho que estraguei tudo e entendi que para ter um relacionamento aberto, a relação precisa estar saudável. E ao mesmo tempo entendi que não era pra mim e muito menos pra ela. Acabamos tentando algo diferente para manter a chama do relacionamento acesa, mas ela já tinha se apagado. Naquele momento, entendi que o relacionamento aberto só piorou a situação, pois o problema não era o desejo por outras pessoas, mas sim a saúde da relação.
Monogamia pode ser uma alternativa, mas não a única
A história entre Sara e Flávia não é para dizer que o relacionamento aberto não pode dar certo. Ele acontece para muitas pessoas que vivem muito bem nessa situação. A monogamia precisa ser uma alternativa e não a única opção. Há casais que realmente estão felizes sendo monogâmicos e outros gostariam de experimentar outras formas, mas muitos não conseguem falar sobre o assunto. E é aí que a traição muitas vezes acontece.
A monogamia não é uma prática, é um sistema opressor, segundo a escritora e ativista LGBT e feminista catalã Brigitte Vasallo. Autora do livro O desafio poliamoroso, Brigitte afirma em entrevista ao site da Editora Elefante que um sistema é definido para que não haja outras alternativas, para que tudo necessariamente leve você até lá, e isso já é uma opressão em si.
De acordo com a escritora, no momento em que a monogamia foi imposta sistemicamente, ou seja, no momento em que outra possibilidade de vida desapareceu, foi o momento da implantação do capitalismo e da primeira expansão colonial e genocida da Europa. Todos esses sistemas são construídos juntos. Pensar que a família nuclear é uma forma superior de relacionamento também sugere que essa forma cultural que gera essa família também é superior.
A psicanalista e escritora Regina Navarro afirmou, em entrevista ao site Universa, do UOL, que “a maioria das pessoas ainda é obcecada pela exigência de exclusividade. Mas penso que ninguém deveria ficar preocupado se o parceiro transa ou não com outra pessoa. O importante é se sentir amado e desejado, além de haver uma boa convivência, é claro. Não tenho dúvida de que as pessoas viveriam muito satisfeitas”. Segundo Regina, a crença mais mentirosa de todas é de que “quem ama não sente tesão por mais ninguém”.
Há casais que vão abrir a relação e entender que podem ser muito felizes dessa maneira e outros que vão ter frustrações, decepções e entender que preferem mesmo é ficar exclusivamente apenas com a pessoa amada. O que precisamos mudar é a mentalidade de que todos devem seguir um único caminho e que essa é a única maneira de ser feliz.
*Os nomes foram substituídos para preservar a identidade das pessoas
O maior desafio que percebo é quando se é cisgenero e a atração é homo e a paquera é por cisgenero (supostamente ou sabidamente) bissexual! Hoje, aconteceu novamente bem sutil, quando conversava com motorista de ônibus, inicialmente de forma social e ele me paquerou jogando charme! Por sermos de descendência açoriana, antes dele começar a fazer o horário me despedi com “mo quirido” e ele empolgado disse querido (“normal”), e também disse quando desci no destino! E ai está a necessidade de conversar quando se percebe que a atração pode “evoluir” para relacionamento! Ter a maturidade em assimilar a sinceridade e necessidade do Bissexual em se relacionar com o mesmo gênero e também relação modus “hetero”! O relato trazido na matéria me parece ter extrapolado o ambiente homo/bi e ido para o chamado swing! Para mim a monogamia na prática está mais para uma construção social e/ou cultural! Mas para que ninguém se “machuque” delimitar fluidez sexual ou namoro é fundamental!
Muitas pessoas resolvem abrir um relacionamento, mas não estão preparadas para isso ou fazem para agradar a outra pessoa com quem se está.
Essa decisão às vezes acelera o fim de uma relação.
Abrir um relacionamento deve ser prazeroso para as duas pessoas verdadeiramente, caso contrário somente uma pessoa é feliz desse tipo relacionamento.