Quando realmente entendi que era lésbica não foi inicialmente tranquilo. Eu não queria falar sobre minha namorada no trabalho – eu dizia que nem tinha um relacionamento. E a situação começou a piorar, porque os homens pediam para sair comigo e eu sempre dava uma desculpa.
Mesmo não conseguindo me assumir, eu defendia a comunidade LGBTQIA+ veementemente. E isso era tão forte que os burburinhos começaram. Uma colega de trabalho me contou que os homens começaram a confabular frequentemente sobre o assunto. A principal tese era: “Ela deve ser lésbica, por isso não quer sair com ninguém e não tem namorado”.
Eu recebia insistentes mensagens virtuais de alguns deles: “Quando vamos sair?”. E eu só pensava: “Eu preciso falar logo para que esse tipo de coisa pare de acontecer”.
Eu chegava em casa e minha namorada já morava comigo. Contava a ela sobre a situação e ela sentia o mesmo desconforto. E pior: ela também não era assumida no trabalho e nem para a família dela, o que tornava os nossos encontros familiares algo absurdamente incômodo. Sempre tinha aquela tia que perguntava: “E aí, quando você e sua amiga vão trazer os namorados?”. Nós sempre estávamos juntas em todos os encontros e eu só pensava: sério que ninguém percebe ou é proposital?
No paralelo, também foi difícil começar a contar para as minhas amigas. Elas me conheceram quando eu namorava homens. Como contar que, na verdade, eu gostava mesmo é de mulher? Eu achava que elas iriam ficar “desconfortáveis” ao meu lado, imaginando que eu poderia assediá-las.
Fiquei ensaiando um tempão para contar para a primeira delas. E então tomei coragem, peguei o celular e liguei: “Amiga, preciso te contar uma coisa. Eu gosto de mulher e beijei uma na semana passada. Foi ótimo e é realmente o que eu gosto”. E então ela ficou muda alguns segundos que pareceram uma eternidade e finalmente respondeu: “Tô muito feliz por você, que maravilhoso! Sabia que eu também tenho vontade de beijar mulher?”. Gargalhamos. Foi um alívio. Depois desse papo, contar para as outras ficou mais fácil.
Como me aceitei?
Depois de passar por essas situações no trabalho e em outros locais, comecei a frequentar muitos ambientes LGBTQIA+ e a ter mais e mais amigos totalmente assumidos. Isso fez uma grande diferença no meu processo de aceitação.
Difícil dizer quando a chave virou. Nem sei se teve um momento específico, mas então eu comecei a falar pra absolutamente todo mundo que eu era lésbica e ponto. Eu nunca mais deixei de me assumir no trabalho. Já falava logo na entrevista de emprego, quando me perguntavam: “Conte sobre você”. E então eu já dizia que era casada com uma mulher da forma mais natural possível – que é exatamente como precisa ser.
Eu nunca mais precisei fazer um suspense para falar: “Oi, preciso te contar uma coisa: sou lésbica”. Eu nunca mais precisei “contar”, porque eu comecei a tratar isso de forma realmente natural. E quando você vê, as pessoas à sua volta estão dizendo: “Olha, eu acho incrível você ser assumida dessa forma. Minha prima também é lésbica, viu? Pena que a família não aceita”. E aí as pessoas passam a tirar diversas dúvidas comigo – e comecei a amar ainda mais, porque quando você se sente bem, automaticamente você consegue transformar o ambiente.
Mas, calma! Não é assim em todos os ambientes. Óbvio que eu nem continuava uma entrevista em uma empresa que nitidamente era homofóbica. Ou entrava em um ambiente em que eu me sentiria desconfortável com a minha esposa. Sabemos que os espaços que ocupamos ainda são “bolhas”.
Hoje eu falo em vídeos corporativos sobre minha sexualidade – e sempre tento criar ou colaborar com programas de diversidade das empresas -, falo para todas as pessoas que acabo de conhecer e não deixo de beijar a minha esposa em nenhum restaurante.
E sério: é um alívio poder fazer tudo isso e falar com naturalidade algo que eu sempre quis. Sim, eu gosto muito de mulher. E sou casada com a mais maravilhosa de todas. É libertador. E dá um orgulho que não tem explicação.
Hoje quando me perguntam: se você pudesse escolher, seria lésbica? Eu respondo com toda a certeza que sim. Eu amo ser lésbica e recomendaria para qualquer mulher (risos).
Na prática as pessoas percebem a sexualidade, mesmo sendo homo cis. Quando ocorre a “revelação” é para os outros como “constatação”! Na semana passada, quando fui fazer um lanche, a atendente se adiantou ao colega e me serviu! Ontem, sutilmente, ele assumiu um certo “protagonismo”! Afinal quem não curte uma paquera, mesmo discreta! Chamam até de homosociabilidade esta interação entre homossexuais no contexto de relações interpessoais do dia a dia!
Ops: Homosociabilidade: interação entre sexualidades diversas, inclusive entre a mesma, como mencionei antes! Obrigado.