Mulheres que gostam de mulheres idealizam constantemente relações. Essa é uma das principais reflexões trazidas pelo single Devaneio Ostentação, produzido pela cantora, compositora e musicista Alessa Camarinha.
Alessa é conhecida por comandar um dos blocos mais famosos de São Paulo, o Ritaleena, que sai em Pinheiros e homenageia a cantora Rita Lee.
Para a cantora, o single tem o objetivo de passar um recado: “Todo mundo idealiza relações, é normal. Mas o quanto isso é um reflexo do medo de viver as coisas na realidade? E o quanto você está perdendo uma vida linda, que de fato existe, pelo conforto de viver um relacionamento imaginário?”, afirma Alessa.
Devaneio Ostentação trabalha sonoridades pop, samples de hip hop misturados com música latina e percussão afro-brasileira. O projeto tem uma versão videoclipe, dirigido por Alessa e Pétala Lopes, grupo feminista que busca fortalecer o papel da mulher no segmento.
Confira o papo que BlogSouBi teve com Alessa sobre o single e relacionamentos LGBTs.
Como você começou a se identificar como lésbica?
Quando criança, não sabia exatamente se o que eu sentia por mulheres era atração ou admiração. Na verdade, eu ainda não entendia que era possível se atrair por alguém do mesmo sexo. Acho que foi na adolescência que comecei a entender melhor o que estava acontecendo de fato. Mesmo assim foi bastante difícil no começo, porque eu não me identificava com o que era dado como “lésbico”, então isso me deixava muito confusa. Naquela época existiam pouquíssimas referências de pessoas gays e as que existiam eu não me identificava. Depois de muito tempo entendi que estava tudo bem, que não existe só um jeito de ser lésbica ou gay. Ter achado uma turma de amigas e amigos gays foi essencial para a minha aceitação.
Você passou por alguma fase de negação? Teve dificuldades?
Acho que a fase negativa não foi nem aceitar que eu gostava de mulheres e sim os problemas que eu teria de lidar por ser lésbica. Ter de enfrentar toda uma heteronormatividade (palavra que eu nem sabia que existia na época) me preocupava bastante e foi muito responsável por eu ter ficado no armário durante um tempo.
Qual foi sua inspiração pra criar o single?
A minha inspiração foi a idealização amorosa que todos nós fazemos. Essa pessoa inventada que a gente cria na cabeça e a relação que a gente estabelece com essa pessoa imagética no dia a dia. Como isso impede a gente de viver relações reais e nos impede de conhecer realmente o outro.
Explique o que você acha sobre a idealização de relacionamentos homoafetivos.
Eu acho que a pessoa LGBTQ+ nasce sob o signo da criação. A gente tem que criar um mundo em que possamos viver, pois não nos encaixamos no mundo que é dado a nós. Não temos muitas referências, então temos que inventar nosso modo de operar no mundo. Inventamos vocabulário, gírias e comportamentos. Precisamos criar o jeito com que nos relacionamos, até em situações em ambientes de trabalho. Ainda temos que criar muito espaço para existirmos. E o que me interessa é como esta “habilidade” de criação se desenvolve no LGBTQ+ ao longo da vida. No caso do clipe ela se dá pela idealização romântica, mas me interessa entender qual serão nossas criações de mundo.
Qual recado você quer passar com o single?
Acho que o recado é um pouco de: “olha, todo mundo idealiza, é normal. Mas o quanto isso é um reflexo do medo de viver as coisas na realidade. E o quanto você pode estar perdendo uma vida linda que de fato existe, pelo conforto de viver um relacionamento imaginário. E cuidado, essa pessoa que você imaginou às vezes não tem nada a ver com a pessoa real.” A gente acha que tem poder sobre a criação, mas tem horas que é ela que tem poder sobre a gente.
Você já passou por alguma situação retratada no single? Conhece alguém que já passou? Fale sobre isso, por favor.
Acho que todo mundo passa de uma certa maneira, enquanto estávamos gravando, muitas das meninas que trabalharam no clipe, que são sapatões, vieram me falar de suas próprias pessoas imaginárias. Acho que isso acontece muito, principalmente quando estamos no processo de se assumir ou sair do armário.
Quantas pessoas participaram da criação do single? Como foi o processo de criação e o que mudou durante o desenvolvimento desse trabalho?
A música, letra, roteiro e direção do clipe são meus, mas ao todo foram umas 20 pessoas envolvidas. Acho que tivemos algumas alterações por causa de orçamento, mas a ideia estava muito bem definida desde o começo.
O que mais você gostaria de contar que eu não tenha perguntando e seja relevante para falar desse trabalho?
Eu acho que uma coisa muito interessante e que eu tenho vivido na pele na divulgação deste trabalho é sobre a tal invisibilidade lésbica. Antes de começar este projeto, eu achava que muito desta invisibilidade se dava pela ausência de referências, de trabalhos e artistas. Mas descobri que tem uma dificuldade ainda melhor para divulgar um trabalho LGBTQ+, que é o fato de as pessoas, mesmo sendo lésbicas e gays, terem receio de se associarem a esse tipo de material. Em tempos digitais, compartilhar e curtir são essenciais. Mas essas coisas deixam traços físicos, ficam lá na timeline. Então, as pessoas que estão compartilhando têm mais ainda meu respeito e admiração.
Você está vivendo de música? Conte a sua biografia aqui.
Sim, além da minha carreira autoral solo, eu sou cantora, diretora musical e idealizadora do Bloco Ritaleena do Carnaval de São Paulo que homenageia a Rita Lee. Além disso, trabalho muito com estúdio e produção musical.
Acho bem importante essa reflexão. Eu sou casada com um homem, tenho um filho e me apaixonei por uma mulher que vi apenas uma vez, em uma videoconferência! Depois do “encontro” ficamos provocando uma à outra nas redes sociais, por mais de um ano. Quando tentei conversar e me abrir, ela disse que não me correspondia. Ela foi tão objetiva, que nem deu pra eu saber se em algum momento nós de fato tivemos algum tipo de “troca”. Muito traumático, porque comecei a achar que eu tinha desenvolvido alguma doença psicológica, algo como uma eretomania (temos a mesma profissão, o mesmo salário provavelmente, mas ela tem mais status profissional). Enfim, agora sei, ela estava sim me provocando, e é importante para mim ter isso claro, pra minha saúde mental. Fico pensando então porque só me permiti me apaixonar por uma mulher quando foi algo tão sutil. Claro, isso é resultado de muuuita repressão. Enfim, a gente precisa se cuidar, cuidar da saúde mental da gente. Quanto a conclusão: continuo casada. De verdade, acho que sou bissexual. Meu casamento é monogâmico, acredito de verdade que me marido me respeita muito e não sei como vou resolver tudo caso apareça na minha vida outra mulher por quem eu me sinta atraída. Meses depois da minha frustração amorosa tive muita dificuldade pra sentir prazer com meu marido, acho que agora tá voltando tudo a ser como era antes. Duro é que acho que história se espalhou. Sinto que algumas pessoas sabem que tentei me aproximar daquela mulher. Isso me constrange. Não porque passo a ser percebida como lésbica ou bissexual, mas porque as pessoas parecem se divertir com isso de algum modo. Dane-se para o que pensam as pessoas. Dane-se! Parecia lindo e só não foi porque foi pura idealização.
A mulher, por natureza, é mais idealista. Já os homens, a gente sabe, que estão mais ligados pelo conjugal ou transa, do que pelo companheirismo! Tanto, que não éra raro, em locais públicos, encontrar bissexual com esposa ou namorada e, ele já ter transado (até mais de 1x, comigo), mas cumprimentos eram bem formais! Até um exemplo “gay” que ficou em evidência foi a rotina do Bretas com Paulo Gustavo: Bretas focava mais no consultório e, como muitos médicos haviam jantares com amigos/colegas! Paulo Gustavo, mesmo tendo uma carreira, teve o estilo “heteronormativo”: atenção a administração da casa, prole, marido! Precisou o adoecimento para Bretas “entender” que casamento vai além de viagens em férias ou poucos momentos de lazer!